domingo, 21 de março de 2010

SER GENEROSO À CUSTA DOS OUTROS NÃO CUSTA NADA

Os portugueses que correram a marcar o nº de telefone que várias empresas operadoras de telecomunicações colocaram à disposição para recolha de fundos para com o Haiti e a Madeira (€0,60 por chamada que revertiam a favor daqueles territórios atingidos recentemente por cataclismos naturais), não estiveram só a manifestar a sua generosidade para com eles, mas também para com as finanças públicas. Esta semana os órgãos de comunicação nacional fizeram o balanço ao IVA arrecadado pelo fisco por cada chamada efectuada.20% de IVa por chamada efectuada. Em números redondos € 0,07 o que perfez vários milhões de euros. Quer-se dizer, não fosse o terramoto no Haiti que matou milhares de pessoas, e as inundações na Madeira que provocaram milhares de euros em prejuízos materiais, e largas centenas de famílias desalojadas, e a receita do IVA este ano seria substancialmente menor. Quer-se dizer ainda, e para parafrasear livremente Bertold Brecht, se mais meia dúzia de catástrofes naturais ocorrerem daqui até ao fecho da legislatura, e talvez o Governo tenha encontrado a solução para combater o défice público, e para a saída da crise, que de outra maneira não chegará tão depressa.
Ora sendo os portugueses tão generosos a marcar números de solidariedade, se as próprias empresas que os instalaram os fizeram gratuitamente apesar do dispêndio de meios técnicos envolvidos, não seria legitimo esperar-se que os números telefónicos de solidariedade estivessem isentos de IVA, ou se isso for de todo impossível, que fossem ao menos taxados com a taxa mínima, 5%? E se por norma comunitária, não fosse possível isentar do mesmo valor de IVA que as restantes as comunicações telefónicas, não seria de mais exigir-se que todo o valor total do IVA arrecadado naquelas chamadas fosse integralmente revertido a favor dos territórios para que aqueles números foram criados? Afinal era essa a intenção dos portugueses que para eles ligaram, para minorarem o défice das contas públicas, já basta a subida de impostos que por via das menores deduções fiscais em sede de IRS que nos impõe para 2010 o novo PEC, tão aplaudido pela alta finança que sustenta o Presidente Durão Barroso.
O Estado está assim também, a ganhar dinheiro com a desgraça dos outros. Julgo não ser esse o espírito que levou à criação de tais números telefónicos, nem é esse o espírito de quem solidariamente contribui, ainda que de uma forma simples, com algum do seu dinheiro para nestes tempos difíceis, minorar o sofrimento dos outros.
A cobrança de IVA em casos destes é não só uma imoralidade, mas sobretudo uma infâmia. Demonstra que os particulares podem, e devem ser solidários, mas que o Estado nunca o é.
Assim como o é, uma campanha desenvolvida por uma cadeia de hipermercados. Para contribuir para a Madeira basta arredondar o valor das suas compras, o que arredondou vai ser entregue para o auxílio à região. Mais uma vez é o cliente quem suporta na íntegra o preço da solidariedade, ainda que se calhar por via disso, e pelo tal espírito de generosidade dos portugueses, a tal cadeia de hipermercados tenha registado uma maior afluência de público às suas caixas do quer se não tivesse instituído tal campanha. Mas se de facto ela quer ser solidária para com a Madeira, em vez de pedir aos clientes que arredondem o preço das compras pagas, sem dar nada de seu para a Madeira, porque não se comprometeu antes a oferecer uma percentagem efectuada por cada carrinho de compras? Porque lhe mexia nos lucros, está claro.
Ser generoso, ou combater o défice, à custa dos outros não custa nada de facto. E se calhar, até fica bem. Talvez fosse interessante ver a tal cadeia de supermercados, informar quanto vendeu a mais à custa de tal ideia do arredondamento.

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